O tema “ratings” é de certa forma polêmico e causa ainda muitas dúvidas no público turfista em geral, o que considero normal, já que é algo recente no Brasil.
Como você bem sabe, os ratings foram criados na Inglaterra há mais de um século, sendo anualmente publicados pelo Timeform. Nos EUA, o modelo de “metrificar” as performances dos cavalos se dá por outro método, o Beyer, que leva o sobrenome do criador desse modelo americano. Não pretendo me alongar muito no “o que é” e nos “porquês” dos Ratings, pois não acredito ser esse o foco principal.
O tema chegou a América do Sul por meio da OSAF como exigência da IFHA, que buscava uma forma uniformização na classificação internacional das provas. O que parecia de início algo interessante e na direção de um Turfe globalizado, se mostrou com o tempo, em minha particular opinião, uma forma de aumentar a distância naturalmente oceânica tanto do ponto de vista geográfico como econômico, do Turfe Sul-americano do Turfe Europeu principalmente, pois são eles os que ocupam os principais postos da IFHA, a começar pelo Sr. Luis Romanet, presidente da entidade.
A proposta de uniformizar e colocar regras para graduação de provas é positiva, mas o tratamento diferenciado e a forma como isso é cobrado, a depender da profundidade do bolso do lado menos influente ou interessante, nos faz crer que o objetivo não é um turfe mais forte e global, e sim criar uma casta de alguns países criadores de cavalos como “os principais” e o restante do mundo ser simplesmente o resto. Um pequeno, porém, ilustrativo, exemplo desse movimento começou na própria Europa, mais especificamente na Itália. Após a mudança das regras da IFHA para que as provas de todo o mundo fossem avaliadas, o Turfe Italiano, que já foi um dia a casa de Frederico Tesio, em crise, teve uma sequência de alguns anos com algumas de suas principais provas de G1 abaixo do average estabelecido, que tinha como “sarrafo” as demais proas de G1 do continente europeu. Resultado: provas rebaixadas, a última de G1 corrida na Itália foi em 2018 (https://www.racing.com/news/2019-02-07/news-italy-loses-last-group-1#:~:text=Italian%20racing%20lurched%20into%20further,downgraded%20to%20Group%202%20level.). Eu me pergunto Renato, se esse caminho “correto” de se “aplicar regras com métricas bem definidas”, ajuda no desenvolvimento do esporte. Se esse rebaixamento “acendeu um alerta”, “deu um choque”, ou se simplesmente desanimou de vez os criadores italianos. Deixo para você e os leitores a reflexão.
Cabe lembrar e chamar a atenção para as centenas de milhões de euros despendida por uma meia dúzia de Sheikhs e Príncipes dos EAU, Catar, Arábia Saudita e outros países do oriente médio, a fundo perdido, tanto na criação, como nos leilões e nas corridas, inclusive com patrocínios, na Inglaterra, na Irlanda e na França. Isso fora o apoio governamental, que principalmente a França possui. Os alemães apesar de enfrentaram os mesmos problemas que os italianos para manter suas provas de G1 nos últimos anos, não tiveram o mesmo destino que os italianos. A francesa PMU inclusive investe há tempos no turfe alemão. Além disso, os alemães investem na criação levando éguas aos top sires da Europa e seus cavalos para os grandes centros, principalmente para França e Inglaterra. Azar dos italianos e sorte dos alemães, não é mesmo? Parece que para o EPC (European Pattern Comittee), que define as mudanças de graduação das proas, é isso aí.
A Itália já era naturalmente de “2º escalão” na Europa e não por IFHA ou outra entidade, mas pelo regulador soberano, isento, anônimo, mas sempre presente: o mercado. Em 2006, eram 9 provas de G1 na Itália. Em 2019, o número já era ZERO.
Apesar do exemplo italiano, quando cavalos de Listed e G3 na Europa ganham provas de G1 na grama nos EUA, ou vão ao outro lado do mundo para ganhar a Melbourne Cup e provas de G1 em Hong Kong, isso não gera consequências. Como é de conhecimento de todos, o maior mercado do hemisfério sul é a Austrália, que além de trazer muitos dos principais garanhões dos EUA e da Europa, possui ainda filiais de grandes haras em seu país. Lá existem muitas provas de G1 e demais graduações blacktype, mas como é distante e os confrontos internacionais se restringem aos velocistas de G1 australianos indo para Royal Ascot e os fundistas europeus de segundo ou terceiro escalão indo para a Melbourne Cup, acabam que as avaliações ficam por isso mesmo, superficiais e/ou pouco rígidas. Não há qualquer interesse em entrar em conflito com o pujante mercado australiano, em que muitos na Europa atuam e tem interesse comercial.
A proximidade e a longa relação com o turfe asiático, faz com que essa relação comercial entre Oceania e Ásia seja aceita e tolerada, até porque os europeus acabam indiretamente se beneficiando quando um determinado garanhão vai bem e produz cavalos de G1 em um país asiático que não seja o Japão (que é mais competitivo), como Hong Kong, Macau, Singapura, etc.
Para encurtar o texto, vamos falar diretamente do que nos interessa, que é o Brasil. Pressionada pela IFHA, em parte para cumprir a agenda “globalista” dos europeus e em parte por interesses comerciais que ao meu houver são contrários ao interesse comum (para não entrar em maiores detalhes) de hipódromos, criadores e proprietários sul-americanos, a OSAF por meio de um comitê fiscalizador de corridas, formada por handicappers dos 5 principais países em termos de turfe na América do Sul (Argentina, Brasil, Chile, Peru e Uruguai), anualmente avalia as provas do continente sul-americano. As provas de G1 devem ter uma média mínima de 115 libras mundialmente, mas quando do início dos ratings na América do Sul, foi criada uma tolerância de 5 libras para as provas de grupo do continente, por 5 anos. Para se ter uma ideia Renato, menos de 15 cavalos brasileiros tiveram ratings de 115 ou mais nos últimos 5 anos. Ou seja, no dia que essa tolerância for retirada, o rebaixamento de todas as provas de G1 brasileiras não será uma questão de se e sim de quando, podendo não demorar os 13 anos da Itália. O mesmo vai se passar com Peru, Uruguai, além de Argentina e Chile, que conseguiriam talvez adiar um pouco mais que nós, mas não evitar.
Pergunto: isso fará bem ao Turfe sul-americano? Se isso acontecer, os criadores do continente vão se indignar e passar a investir mais? Ou vão desanimar e migrar para outros mercados (isso os que não desanimarem e abandonarem a atividade)?
Continua amanha.