O brasileiro é um povo dado a algumas manias. Uma das quais eu nunca consegui entender foi a da vela ao lado do corpo, do acidentado na rua. Trata-se de uma situação inusitada e ao mesmo tempo comovente. Se a pessoa morre na rua, por causas naturais, ou por afogamento, atropelamento ou outro desastre qualquer, instantaneamente surge uma vela, não se sabe exatamente de onde. Ninguém viu quem a colocou e muito menos quem a acendeu. Mas a vela em questão, em segundos surge. Ninguém sabe, ou jamais irá saber, quem colocou a vela. A chama que queima, na verdade é o companheiro da pessoa cujo corpo não tem mais vida e se encontra solitária e abandonada no meio do mundo, a espera que a recolham.
É piedoso? Sim é piedoso. É bonito? Sim é bonito. Mas de onde veio a vela? Alguém será capaz de me dizer? Será que existem pessoas que andam, todos os dias a caminho de seus afazeres, com velas em seus bolsos, para numa eventualidade, comparecer com seu apoio?
Outra característica brasileira é o espirito conspirativo, o senso catastrófico, o inconcebível desejo de acontecer. Macumba na encruzilhada, gato preto, passar abaixo de uma escada, bater na madeira três vezes, enfim, qualquer que seja a mania, ela fanatiza a população. E depois de devidamente fanatizada, a plebe não concede sequer uma hipótese compassiva a nada que seja diferente.
Lembro-me novamente de Carazinho on de fui abordado por um senhor, que é criador e que me disse temer o shuttle, pois, ele tende, a diminuir as chances dos garanhões sediados definitivamente em nosso criatório. Respondi a ele, que como tudo na vida, sempre existirão os prós e os contras. em se tratando de concorrências, elas tendiam a favorecer a novidade. Igualmente lhe deixei claro que para mim, o problema que ele visualizava, era talvez um dos poucos que eu não temia. Temia sim a situação de uma égua ter que se adaptar, a cada ano, com um cavalo distinto. Numa verdadeira loteria.
Minha filosofia é distinta. Minha vó Adelina dizia que para todo pé existia um chinelo. Eu acredito nisto, como sempre acreditei, - romântico que ainda sou - que há uma outra metade da laranja, na vida de cada um. Achei a minha. Porque deveria ser diferente na criação de cavalos de corrida? Mas voltando aos trilhos, eu acredito em projetos e tendo a formação de arquiteto, como tive, não poderia ser diferente. Porque defendo e sempre defendi esta tese?
A criação de cavalos de corrida é um jogo de percentuais. Se você chegar aos 30% de acerto, pode acreditar, que és um fenômeno quase sobrenatural. Um reprodutor com 20% de produção clássica entra para a história. Com mais de 14% já é considerado um fenômeno. O que em outras palavras quer dizer, em nossos casos, que de dez você irá errar sete. Ou melhor dizendo, não irá atingir aos objetivos sonhados. Assim se você opta por um reprodutor para seu Haras e para ele escolhe a dedo as éguas que ele deveria servir, suas chances aumentarão, evidentemente se ele e as éguas tiverem algo a compartir, como velocidade, estamina, físico, enfim, o potencial de produzir aquilo que você anseia. Ao passo, que quando você entra na dança das cadeiras, de servir e´guas cada ano com um diferente semental, no moddy do modismo tudo pode acontecer, mas, se acontecer, será em resultados percentualmente inferiores.
Hoje os criadores formaram grupos de shuttles. Perfeito. Mas não acredito que adiante trazer filhos de um mesmo reprodutor, com físicos distintos e aptidões em pista, diametralmente opostas. E isto é o que eu estou vendo acontecer seja com filhos de Danehill, Galileo ou Monsun. Ademais os shuttles, emanam a venda de coberturas caras.
Quando você acredita em um cavalo e dá a ele a chance de ser seu pastor chefe, você precisa de um projeto e este projeto terá que tentar resolver aqueles problemas que você acha que este cavalo possa ter tido em termos de certas conformações físicas, aptitudões locomotoras, duplicação de pontos de força que você considera importante no pedigree do mesmo. E assim por diante. As primeiras gerações lhe dirão ainda ao pé, as direções que você deva tomar, se houver de sua parte, - ou daqueles que para você trabalham - um bom senso de observação. E como todo projeto poderá dar certo ou não. Outrossim, o shuttle também poderá não dar certo, mesmo tendo custado os olhos da cara. Ou alguém morre de saudades de Sagamix, Miesques Son, Guilded Time, Mark of Esteem e outros?
Como explicar, por exemplo Giants Causeway ter ganho três estatísticas consecutivas nos Estados Unidos e ser incapaz de produzir no mesmo nível, em qualquer centro de criação da hemisfério sul? Aliás, não foi por falta de aviso... E o que dizer de Kings Best, ganhador de uma estatística na Europa? Seus filhos na Argentina, entravam no Tattersall, lindos de morrer, e não conseguem lances. Como explicar?
Logo, o shuttle nunca irá matar ao garanhão local. O garanhão local, pode ser sim "suicidado", pela incompetência daqueles que o manipulam. Nunca pela concorrência externa. Seja ela qual for. Quando não existe uma pre disposição ao fundo perdido, e a ideia é investir seu capital nas éguas e selecionar um reprodutor próprio, que como disse anteriormente requer um projeto. Como no shuttle, não existem garantias, porém, em caso de acerto, a produção passará a ser industrial. No shuttle se acerta, e quando isto acontece, geralmente ele não volta!
Da mesma forma, afirmo, que ainda não consegui descobrir da onde vem as velas, igualmente completo que sequer imagino de onde vem estes temores infundadUs, de que os imbreeds podem produzir cavalos com duas cabeças e quatro orelhas. De que a duplicação dos pontos de força e as grandes linhas maternas, não fazem diferença alguma. Que tudo não passa de uma irrealidade. um sonho sem fundamento. O que se viu e o que se ve diariamente é estes cavalos com duplicações em pontos de força, parecerem ter oito patas.
Para você conseguir seus objetivos, você não precisa apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas igualmente acreditar. Esta frase foi uma das mais marcantes, que Anatole France deixou gravada para a eternidade.
O sonho amplia seus verdadeiros objetivos. Quanto mais altos eles são, mais você tem que acreditar. Querer, pode não ser sempre poder, mas crer é o inicio de todo e qualquer sucesso. E o que o nosso turfe mais precisa é de gente que sonhe, com aquilo que ainda não foi vivido. Sequer sonhado. Esta é a base de qualquer inovação.
Roma, que hoje faz parte da Itália, já dominou o mundo. Na atualidade parece estar sendo dominada pelo mundo, pois existe um grande diferencial entre Julio Cezar e Silvio Berlusconi. Mas há de se convir que a Itália teve excelentes exemplos. Diria até, que a razão de seu requinte e charme, está no fato de ter sido berço de homens como Leonardo, Michelangelo, Dante, Verdi, Caruso e de outros, que moldaram os gostos e apuraram as vistas e os ouvidos daqueles que os cercavam e mesmo dos que vieram a seguir. É assim que se forma uma história, com o perfil de uma civilização. Penso serem estas, as verdadeiras razões de seu real desenvolvimento. Independentemente de onde ela possa ter o seu inicio. Homens fazem a diferença. Gênios então , nem se fala!
Edward Taylor fez o Canadá entrar no mapa do turfe, da mesma forma que Marcel Boussac na França e Federico Tesio na Itália, demonstraram a mesma força. Acho que o Brasil deve muito a certas famílias, como os Paula Machado, os Peixoto de Castro, os Seabras, Laras, Almeida Prado e outras, pois, foram eles que construíram os alicerces de tudo que está acontecendo hoje e possivelmente acontecerá amanhã. Desta forma, conhecer-se o passado é de suma importância. Respeita-lo? Mais ainda. Copiá-lo? Eu diria além de ser necessário, és salutar.
Porque escrevo isto. Por que muitas vezes ao defender aquilo que acho a base de qualquer sucesso obtido nas grandes corridas, aquelas que valem a pena serem ganhas, sou visto como um cara fora da realidade. Nada tenho de profético ou antigo. Vejo a realidade, como produto de um passado bem sucedido, somado a aspirações altos por um futuro promissor.
E quem trouxe a vela?