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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

TURFE TAMBÉM É CULTURA: SIR IVOR QUARTA PARTE

QUARTA PARTE

De volta as verdes paragens de Cashel no coração de Tipperary, os responsáveis de Sir Ivor, chegaram a óbvia conclusão que ele necessitava de um descanso e tanto o King George VI & Queen Elizabeth Stakes de Ascot quanto o St. Leger de Doncaster teriam que ser imediatamente abolidos da cabeça. Como o foram. Mas o Arco do Triunfo era ainda a meta a se atingir e Vaguely Noble o cavalo a se derrotar.

Imediatamente os bookmakers trataram de criar a rivalidade cotando ambos em 5/2 para o primeiro domingo de Outubro em Longchamp. A despeito da qualidade do campo que iria se formar, como no Two Thousand Guineas, esta carreira era igualmente vista como uma prova entre apenas dois contendores.

Devidamente descansado, Sir Ivor voltou a ser trazido à Franca no dia 29 de Setembro, onde foi levado a disputar os 2,200m do Prix Henri Delamarre no terreno pesado e ser novamente batido. Desta feita pelo apenas regular Prince Sao a quem cedia 9 libras- A distancia final foi de ½ corpo, numa carreira que ao ver dos experts, o preparou convenientemente para enfrentar na semana seguinte aquele que parecia ser o seu único oponente em Longchamp: Vaguely Noble. Segundo um de seus assistentes, Sir Ivor "sangrou como um porco" após a carreira francesa e levado a Lamorlaye, passou a ficar na dependência de um suave trabalho a ser efetuado na quinta-feira.

Parênteses. Apenas a titulo de ilustração, Sir Ivor ocupou o mesmo box que anos depois Much Better feio a se utilizar quando de sua disputa no Arco. Fecha parênteses.

Ganhador nesta mesma temporada dos 2,200m do Prix de Chantilly e dos 2,400m do Prix du Lys ambas em Chantilly e dos 2,200m do Prix Guiche em Longchamp, Vaguely Noble estava sendo devidamente guardado e preparado por Etienne Pollet para esta carreira. Etienne Pollet ganhador desta mesma prova com Sea-Bird em 1965 e reconhecido pelo trabalho levada a efeito em outros grandes cavalos como Right Royal V, Hula Dancer e Never Too Late sabia que dois fatores poderiam vir a influir na decisão final. A falsa reta de Longchamp e uma possível pequena falha no poder staminico de Sir Ivor. No campo da carreira haviam outros 18 participantes, todavia, para o terreno pesado e na distância de 2,400m a manchete daquele dia no Paris Turf era "The Two Horse Race". O que acabou não deixando de ser realidade.

Sir Ivor vinha de três derrotas consecutivas após Epson e no Arco voltou a ser batido, apenas que de forma contundente. Mesmo assim, ele caiu, mas caiu  de cabeça em pé já que foi o único a apresentar oposição – mesmo que tênue - ao vencedor até o último furlong. Em contrapartida veio a bater ao ganhador do Prix d'Harcourt Carmarthen por quatro corpos, a ganhadora do Oaks francês Roseliere por cinco, a ganhadora do Oaks inglês La Lagune por seis e o ganhador do St. Leger francês Dhaudevi por mais de seis. Entre os outros derrotados os ganhadores do Prix Lupin Luthier, do Prix du Prince d'Orange Petrone, do Derby alemão Luciano, do Irish Derby e St. Leger Ribero e os runner-ups do King George VI & Queen Elizabeth Stakes Felício e da Ascot Gold Cup Samos III, além de outros cinco elementos de bom calibre. Em carreira que descrevo quando me atenho a seu verdugo, vaguely Noble.

Para O'Brien, "No Excuses. Vaguely Noble é um especialista na distância e o melhor em 2,400m".

Sir Ivor não era mais o herói, o wonder horse, o convicto demolidor. Por mais que tenha sido dura a campanha a ele dirigida, por mais que tenham sido as viagens, por mais que os 2,400m e as pistas firmes possam tê-lo arrefecido o ímpeto de sua indescritível aceleração final, ele na realidade vinha de quatro derrotas seguidas, e duas delas para cavalos de não muito grande expressão.

Os primeiros rumores que fora um fraco Derby, que se tratava de uma frágil geração já começavam a soar de boca a boca. Era necessário que sua imagem viesse a ser retocada e Vincent O'Brien sabia disto como ninguém. O fator comercial, embora nunca tenha afetado o seu técnico, da mesma forma nunca foi deixado de lado. Logo, a última carreira de Sir Ivor teria que ser delicadamente escolhida, já que após Epson ele nunca mais conseguira vir a vencer. Por sua vez, Raymond Guest optara por retirá-lo para a reprodução e mantê-lo em serviço por pelo menos os dois primeiros anos na Irlanda. E assim os 2,000m do Champion Stakes foi escolhido e 13 dias depois de sua derrota em Longchamp, Sir Ivor foi chamado a intervir em Newmarket, em mais uma dura prova para as suas aspirações.

Conhecida como o cemitério de grandes campeões, o Champion Stakes para alguns veio a ser a melhor carreira de Sir Ivor. O campo era bastante fraco, a distância por demais atrativa e Newmarket parecia ser a pista preferida por ele. Taj Dewan, que fizera um trabalho de preparação digno de um refinado matungo era a segunda força perante o público turfista na razão 2/1 pela simples falta de maiores opções. Os velhos fregueses de caderno, o então um dia temeroso Candy Cane tornara-se um elemento comum após seu redundante fracasso no Irish Two Thousand Guineas e era rateado em 10/1 e o francês Batitu que embora tivesse mostrado progressos após sua nona colocação para Sir Ivor no Grand Criterium de melhor até então, apenas uma terceira colocação no Prix Daphnis. E os consistentes mais de classe bastante inferior Locris e Sidon, eram rateados na razão 100/1.

Assim, Piggott, com seu favorito de 11/8, impetrou a mesma tática do Two Thousand Guineas. Manteve-o quieto enquanto Yves de Saint Martin lançava Taj Dewan para ponta de forma audaciosa, a espera que talvez Piggott tenta-se sair de seu pace em respeito ao cavalo que um dia ele fora. Mas já de conhecimento geral que Taj Dewan, estava em total declínio e como os demais quatro contendores, não apresentava nenhum perigo maior. Piggott manteve-se impassível em sua tática. Como sempre no The dip deu rédeas a seu pupilo que veio a bater Locris por 2 corpos, com Candy Cane, Batitu, Sidon e Taj Dewan a seguir.

Piggott ganhou por dois corpos e foi criticado pois, poderia tê-lo feito por seis ou sete se assim o desejasse e desta forma teria dado um final brilhante para a campanha de Sir Ivor. Outrossim, o anúncio da ida de Sir Ivor para a disputa da milha e meia do Washington D.C. International no hipódromo de Laurel Park em apenas três semanas, calou aos críticos. Piggott sabia exatamente o que estava fazendo. Sir Ivor havia apenas “trabalhado” mais forte de olho em outro troféu.

Sir Ivor era o primeiro Derby winner inglês a se apresentar nos Eua desde a vinda de Papyrus em 1923. O Washington D.C. International aquele tempo era uma carreira na grama em 2,400m e que tinha um cunho internacional. Uma espécie de Breeders Cup a seu tempo. Para Dr. Fager, o melhor cavalo da temporada, a grama e a distância não lhe vinham a calhar enquanto para Damascus, indubitavelmente um elemento do mesmo nível de Dr. Fager, embora a grama e a distância não lhe oferecem-se problemas, seus tendões o eram e assim, o melhor deste lado do Atlântico não estaria representado. Mas haviam nomes como Czar Alexander e o ganhador desta carreira em 1967 Fort Marcy, pelo menos especialistas deste tipo de terreno e distancia. Da Europa vinham o terceiro colocado no Arco Carmarthen e os descolocados nesta mesma prova Petrone e La Lagune. Da Argentina a presença do ganhador do GP. 25 de Mayo Azincourt era motivo de curiosidade. Mas acredito que a maior curiosidade estava na inusitada presença do runner-up do Derby e dos Guineos Japoneses, Takeshiba-O. Muitas naquela época não tinham a menor noção de quantas patas um cavalo japonês poderia ter.

Esta foi a única carreira que tive a oportunidade de assistir no tempo real de disputa de Sir Ivor, transmitida que foi ao vivo pela televisão. Sir Ivor ganhou fácil for três corpos, todavia nem tudo vieram a ser rosas durante o transcurso da carreira. Sir Ivor, normalmente um cavalo impassível, mas de muita atenção em relação a tudo aquilo que o cercava, se assustou com o totalizador na parte interna da pista, e se recusou a completar o canter. Por medidas de precaução, os comissários da carreira pediram para que as luzes do mesmo viessem a ser apagadas durante a carreira. Na largada, Piggott mesmo ciente que a milha e meia flat de Laurel representava em termos de dispêndio energético o referente a uma milha e um quarto de um hipódromo inglês, manteve o favorito junto aos paus encoberto pelos demais competidores por grande parte da carreira. Enquanto isto o representante oriental assumia a liderança até que a real corrida teve seu início no final da reta oposta. Sir Ivor, que correu o tempo todo junto aos paus, foi tirado para fora, para ultrapassar o extenuado representante japonês – que demonstrava indubitável saudade de Tóquio - e imediatamente trazido para a cerca. Na curva mostrou-se devidamente "encaixotado", com Czar Alexander à sua frente, Fort Marcy a seu lado e com Carmarthen em seus curvilhões, naquele estilo norte-americano em que o espaço entre dois cavalos e aquele somente necessário para conter o ar que os mesmos respiram.

A armadilha estava montada e Piggot penetrara conscientemente nela. Assim eles entraram na pequena reta final. Piggott mantinha-se impassível no dorso de Sir Ivor, que por sua vez esperava pacientemente a ordem de seu master para produzir poeira aos olhos de seus adversários. E assim foram até os 200m finais quando então os baluartes do estratagema, realizaram que alguém necessitava ganhar a carreira e todos saíram de suas posições para tentar atingir o objetivo. La Lagune que assumira a ponta antes da entrada da reta, começou a demonstrar sinais de exaustão, do que Sir Ivor aproveitou-se e no espaço existente entre Fort Marcy e Carmarthen teve suas turbinas ligadas fuzilando ao estilo Epson, numa demonstração de ampla superioridade em termos de classicismo.

É uma pena que o público norte-americano da época e mesmo eu, não tenhamos tido a exata medida da superioridade que um cavalo que transcende tem sobre os apenas bons cavalos. A imprensa norte-americana simplesmente crucificou Piggott, achando-o super confidente e sem noção sobre o exato pace da carreira. E claro que se Piggott o abre na curva e na entrada da reta simplesmente o deixa atropelar, a carreira na altura dos 200, já estaria mais do que decidida. Desta forma a diferença poderia vir a ser demarcada por grandstands e não apenas por corpos. Piggott inclusive concordou em parte com as criticas, o que não era habitual, ao afirmar; "Eu tive problemas para encontrar passagem. Eu achei que seria mas fácil. Eu acredito que ganharia por 100 metros se o terreno não estivesse tão fofo".

O'Brien em defesa de seu jockey afirmou; "Assim que ele conseguiu a passagem foi PING e tudo se acabou". Mas é sempre bom se lembrar que a impressionante ganhadora do Oaks La Lagune, voltou a ser por ele derrotada, de forma irretocável, num espaço de apenas 40 dias.

Em minha opinião Piggott pode ser acusado de muitas coisas, todavia, nunca de não saber aquilatar o real limite da stamina de seus comandados. Sir Ivor, não era uma cavalo para a milha e meia. Ele chegava lá apenas na classe. Para que ele viesse a triunfar nesta distância, precisava ser guardado até os 400m, quando então transformava a carreira num contexto de sprinters. Anos antes, mais precisamente em 1960, Piggott já havia sido intensamente criticado quando veio a perder o King George VI & Queen Elizabeth Stakes por ½ corpo para Aggressor, com a fabulosa potranca Petit Etoile. Naquela oportunidade adentrou na reta na última posição, tendo oito competidores à sua frente e ao invés de abrir a pupila de Murless, a manteve sempre junto aos paus, ganhando posições, mas perdendo precioso tempo. E o disco nem sempre julga os melhores. Apenas o faz com aqueles que mais rápido chegam a ele.

Murless, igualmente um grande juiz das qualidades e limites que um cavalo superior possa ter, veio em defesa de seu jockey; "Ela e só um cavalo, não uma maquina". Após a morte de seu proprietário, Prince Aly Khan, Petit Etoile passou a ser propriedade de Karim e trazida de volta as pistas, aos cinco anos, venceu a Coronation Cup e a milha do Rous Memorial Stakes, mas veio a fracassar na milha e meia de Kepton, quando da disputa do Aly Khan Memorial Gold Cup, prova em que foi inscrita não por razões técnicas e sim sentimentais. Neste ponto, a impressa britânica passou a aceitar o fato, que Petit Etoile não era uma corredora especialista para a milha e meia, a não ser no hipódromo de Epson, cuja sinuosidade a favorecia e onde veio a ganhar nesta distância em três oportunidades o Oaks e duas Coronation Cups.

Criticado ou não, o Washington D.C. International foi o coroamento de uma campanha brilhante e por que não dizer ousada de oito vitórias em treze saídas. Quando conversei com O’Brien lhe perguntei se faria outra vez o que fizera com Sir Ivor, respondeu: “com ele certamente que sim. Com outros provavelmente não, pois, embora meus acertos tenham sido transferidos para Piggott e meus erros apenas para mim, era disso que um cavalo grande e volumoso como ele precisava”.  

E o mago de Ballydoyle, em meu modo de ver, estava certo. Não é fácil se treinar um cavalo das dimensões de Sir ivor. Como não o foi para ele, anos depois, lidar com um Golden Fleece. Mas ganhou o Derby com ambos. Eu particularmente diria que nos momentos em que estava, como diríamos "na ponta dos cascos", Sir Ivor mostrou-se eletrizante. Para muitos a performance de Sir Ivor à primeira vista pode não parecer soberba, outrossim foi no mínimo considerada impressionante em termos de consistência, tenacidade, coragem e vibração e o bastante para que o ano de 1968 viesse a ser conhecido nos meios turfísticos como o Ano de Sir Ivor. Ele a meu ver chegou a um mesmo patamar de Sea-Bird, Ribot, Vaguely Noble, Mill Reef, Nijinsky e outros poucos, entre os corridos na Europa.

Ao ser perguntado por um dos repórteres norte-americanos após a disputado Washington D.C. International, em que ponto do percurso sentiu que havia ganho a carreira, Lester Piggott respondeu com sarcasmo; "Há duas semanas atrás"...

CONTINUA NO DIA 01