Caro Renato,
Bom dia!
Acredito que a vitória do filho do Sulamani no Pelegrini, tenha sido uma grande surpresa para você como foi para mim.
Confesso que fiquei com serias duvidas sobre a validade de pedigrees ao ver neto de Special Nash, ganhar o Peledrini como fiquei, também, ao ver neto de Major Green ganhar o Brasil.
Como não li a linha baixa porque ninguém publicou, até então o cavalo não tinha nenhuma experiência clássica.
A minha maior surpresa quando fui informado que sua Segunda mãe era uma égua minha que escolhi e a trouxe da Argentina.
Posteriormente vendi ao criador e proprietário do ganhador e proprietário do ganhador do Pelegrini.
Gostaria que você analisasse e comentasse que uma linha baixa tendo Cara-Palida, El Centauro que realmente deram classe a este cavalo.
Aproveito a oportunidade para mandar um Feliz Natal e um ótimo Ano Novo a você e a Cristina.
Abraços
Estou respondendo a você na madrugada do que os Mayas predisseram como sendo o dia final de nosso mundo. Logo, estas poderão ser as minhas últimas palavras escritas. Tentarei faze-las importantes, pois, quem sabe, algum dia uma nova civilização poderá achá-las nos escombros de Hallandale Beach.
Graças a Deus, um pedigree não é formado por apenas um cavalo. Assim, embora Special Nash e Major Green, estejam em meu dicionário turfístico, como eletricistas, não houve surpresa maior minha, em relação a Going Somewhere ter ganho o Pellegrini. Achava que ele não era o mais forte da representação brasileira. Talvez fosse até, o que menos credenciais tivesse, pelo que apresentara até então em pista. Porém, tinha convicção que um cavalo brasileiro teria bastante chance de ganhar. Não tenho subsídios suficientes para ter uma perfeita medida da qualidade de Going Somewhere, mas acredito que seja um cavalo em evolução, que na distância deve ter mostrado uma melhoria substancial de poderio locomotor, pela manhã. E isto possivelmente incentivou seus responsáveis a um vôo maior.
Para mim infelizmente, Kará de Birigui, não estava pronto, mas isto é uma opinião meramente pessoal e que portanto não deve ser considerada. Ele certamente corre bem mais do que mostrou. E Didimo correu muito. Outrossim diria que o fato de não haver stamina hoje na Argentina, está facilitando a nossa vida por lá. Não é de hoje, e nestes últimos cinco anos, com cavalos que não podem ser considerados de uma mesma classe que Much Better, Immensity, ou mesmo Escorial, estamos deitando e rolando. Ou ganhamos ou nos colocamos em posições de honra. Até mesmo na areia, como no caso de Mr. Nedawi. Todavia um detalhe: na milha e meia. Resumindo, antes tinha-se que ter muito cavalo para se ir ganhar um Pellegrini. Ou mesmo não deixar que um argentino ou chileno, viesse nos roubar um Brasil e um São Paulo, debaixo de nossos narizes. Hoje basta se ter stamina. E creio que Going Somewhere a tem em excesso e que tanto os argentinos Carapalida, quando El Centauro contribuíram, assim como Bola de Cristal, para tal. Parabéns por sua seleção prévia.
Mas eu tenho uma teoria e ela está consubstânciada em muitos resultados obtidos por ganhadores de grupo este ano no mundo e de alguns anos para cá. A excepcional função de ter em um pedigree, até a quinta geração, imbreeds em Northern Dancer e Mr. Prospector. Mas vamos nos ater ao patamar em que Going Somewhere venceu. O de graduação máxima. Vocês imaginam quantos ganhadores de grupo 1 na temporada de 2012, possuem em seus pedigrees estes dois imbreeds, juntos? Nada menos que 31. O que sugere que esta formula funciona e ela está no pedigree de Going Somewhere. Se isto contribuiu? Tenho certeza que sim? Quanto? Impossível precisar.
Mas a vitória aconteceu no hemisfério sul. Acho mais difícil repetir-se na Europa, a sede inicial da stamina. Eu disse difícil, não impossível. Explico-me. O cavalo moderno, que disputa as provas mais importantes do hemisfério norte, tem que ser dotado de ecletismo. Não pode ser mais o sobradinho de pedra e tijolo. Ele tem que ter cimento e ferro, que lhe deem a oportunidade de em seus cheios e vazios, em suas luzes e sombras, espelhe-se o eclético. Aquele que tenha, velocidade inicial, aceleração final, endurance e a suprema vontade de vencer. O Frankel da vida! Pois, da mesma forma que a casa é uma máquina onde se mora, o cavalo de corrida é a máquina que corre. E criar este novo cavalo é uma arte.
Existem várias formas de se definir arte. Outrossim, para mim, arte é criar emoções. Não há maior emoção do que se criar um ser. Perguntem a seus pais, se filhos você ainda não teve. E maior ainda, é a emoção, na criação de um ser com dotes atléticos, como no caso dos cavalos de corrida, onde não só a beleza, pode ser mais considerada o ponto fundamental.
Sou ou fui arquiteto, e quando me decidi em sê-lo, perguntei a mim próprio, o que era aquela atividade em que investiria o resto da minha vida. No livro do arquiteto francês le Corbusier (*), Vers une architecture, existe uma definição sua, que eu tomei como minha e me fez decidir enfrentar o vestibular: "Arquitetura é o equilíbrio sábio, correto e magnífico dos volumes reunidos sob a luz".
Existiria mais emoção do que ver a luz? O nascer de um sol? O arco iris por ela formado? O reflexo da lua em águas paradas?
Tenho para mim que quando estes elementos se mostram bem combinados entre si e em perfeita concordância com as necessidades do projeto e seus fins, eles geram emoção. E emoção é o centro de qualquer existência artística. No caso dos cavalos de corrida, esta emoção deve ser reconhecida como classe. Poetry in Motion. Atingido este objetivo, tem-se então o atleta, com formas puras e relações precisas. Não seria este o espirito de todo e qualquer classicismo, relacionado a diversos tipos de arte?
Não consigo vislumbrar qualquer tipo de diferença entre um Da Vinci, e um Tesio. Entre um Eisntein e um Beethoven. Entre um Nureyev e um Berstein. Entre um Pavarotti e um Jorge Amado. Entre um Lester Piggott e um Pelé. Todos tiveram a grande capacidade de criar emoções à aqueles que o viram desempenhar suas funções. Suas respectivas artes. Mas o tempo passa, a roda gira e a fila anda.
Modernizar-se é a necessidade que cada criador deve obrigar-se a ter. O grande artista respeita o passado, assimila aquilo que este passado emana, que em outras palavras pode ser definido como tradição, mas pressentindo as mudanças e as novas necessidades da época, adere a distintas formas com bom relacionamento da vida deste novo tempo. Esta é a arte de repaginar-se. Admira-se o passado, aprende-se com ele, pelas emoções que elas suscitaram. Porém, vive-se o presente, de olho no futuro.
Houve um época que a arquitetura era ditada tão somente pela pedra e tijolo, e assim as paredes desempenhavam a dupla função de sustentar-se pelos cheios e de iluminar-se pelos vazios. Como em muitas vezes estas duas funções se veem em campos opostos, cabia ao arquiteto saber como concilia-los. Da mesma forma que os criadores, trabalhavam apenas com especialistas, fossem eles da velocidade, da milha, do meio fundo, das distâncias clássicas e dos altamente de fundo. Criava-se um outro especialista. Aquele de apenas uma função. Cruzar os extremos ou simplesmente combinar os de diversas especialidades, era um perigo na visão de muitos, mas não na de Tesio, que embora fosse um amante dos reprodutores ganhadores do Derby, nunca deixou de se utilizar da velocidade emanada pelas mães. Aga Khan, o velho, partia da velocidade para se chegar ao evidentemente clássico. Tesio, vinha do clássico e tentava incutir no mesmo velocidade. Ambos atingiram sucesso por diferentes vias. Assim como Le Corbusier o fez na arquitetura.
Todavia, da mesma forma que a descoberta e o progresso das técnicas do aproveitamento de materiais como o ferro e o cimento, alterou profundamente o sistema de construção, a indução de Nasrullah, Northern Dancer e Mr. Prospector na equação criatória do cavalo de corrida, igualmente modificou-o. Nos edifícios de cimento armado, a sustentação não se apoia mais nas paredes, mas em postes, logo, as paredes passaram a poder contribuir mais com a iluminação. Passaram a ser janelas continuas. Criou-se a estética racional, onde o exterior resulta do interior e homem que habita passa a interagir diretamente com o mundo que o cerca.
Esta arquitetura moderna, despojada do excesso de ornatos e cuja emoção origina-se apenas das funções diferenciadas, cria relações simples, claras, nítidas e límpidas de um jogo de superfícies e volumes, cheios e vazios, luz e sombra. Mas aceito o fato, que ela no inicio desorientou a todo aquele que foi obrigado a viver as mudanças. Com a criação dos cavalos de corrida, aconteceu o mesmo. Esta nova estética, racional, simples e direta, deixou a muito criadores tontos. Principalmente a aqueles que não notaram como as coisas vieram a acontecer.
O estilo está moldado na miscigenação da época e não apenas na superposição continua de mesmas características, superposição esta que não impede de se ganhar um Pellegrini, como pode ser notado recentemente nesta última disputa. Mas eu perguntaria, o que ganhar mais?
O cavalo moderno, como a arquitetura atual, não precisa mais pertencer a um estilo. Ele tem que ser universal. Sei que os falsos profissionais não possuem o senso profundo da estética e da necessidade de readaptação. Passaram a ser profissionais de estilo que seguem determinadas modas. O estilo está fixado em uma época. Funciona por um período, mas tem data de validade. Um dia, pifa!
Por isto, estas relações simples de superfícies e volumes, luzes e sombras, cheios e vazios desorienta seus hábitos visuais, como a perfeita integração de vários aptidões entre aqueles que forma o pedigree de um cavalo de corrida, assusta aos que estão acostumados aos especialistas. O modernismo na arte de se cruzar cavalos de corrida, no Brasil, ainda é vista por aqueles que pouco ou nada sabem, como moda. São palavras parecidas, mas de sentidos diametralmente opostos. Moda não necessariamente tem a ver com moderno. Modernismo sim. Mas estes, que como nós amam a atividade, mas que nada sabem e pouco sentem, tendem a se tornar reacionários e defensores daquilo que acham ser tradição, quando na verdade se conceitua hoje como atraso.
Aceitem. Preencham os cheios com Shirley Heights, os vazios com os Danzigs. Somem as sombras dos Sadlers Wells, com a intensa iluminação dos Mr. Prospectors. Dupliquem os pontos de força. Não abandonem os Nasrullahs e Princequillos. Eliminem os eletricistas de seus pedigrees. Tenham como alicerces linhas maternas comprovadamente transmissoras de classicismo. Enfim, não sei se consegui responder a sua pergunta, mas juro que esta é a minha maneira de reconhecer o que está se passando no mundo moderno da criação de cavalos de corrida.
Meu conselho é que comecemos a produzir o mesmo eclético, que a Europa vem hoje produzindo com tanto êxito. Pois, do jogo de luz e sombra, há de surgir, a emoção que você tanto precisa para este novo 2013 que já bate às nossas portas.
Se o mundo não acabar daqui a algumas horas, desejo-lhe um grande 2013.
Renato Gameiro
Le Coubisier era na realidade nascido na Suiça.