Nascer nos anos 50, num país como o Brasil, e já na década de 70 se sentir impelido a tornar-se um bloodstock agent à nível internacional, é um tormento tão forte, quanto estar passando fome no Senegal e aspirar ter um idílio romântico com a Gisela Buchen, em um yate, nas praias do Caribe.
O país em que você nasce, é na verdade uma fatalidade mesozóica, principalmente se neste pais, em sua época de juventude, aquilo que você aspira, parece estar muito longe da realidade. O depuramento de uma profissão, qualquer que seja ela, exige, o seu domínio próprio, os seus processos de evolução, a sua técnica particular, e infelizmente quando iniciei minha jornada profissional, nada disto existia. Eu não tinha exemplos a seguir. Nada havia no que espelhar-se. Todas as possibilidades neste setor eram para mim mal aproveitadas. Não havia um projeto, sequer um senso comum de unidade pensante. Vivíamos de ler, algumas publicações estrangeiras e a pescar de vez em quando, um ensinamento aqui e ali. John Aiscan era a mais forte fonte de informação. Vivi os meus primeiros anos de aprendizado, fazendo de seus olhos, os meus.
Não que não houvessem gente se aproveitando do mercado de compra e venda de cavalos no Brasil, nesta época. Mas como dependente da lascívia dos astros, alguns parasitas "espereciam" a evolução natural do mercado, enredando-a numa teia cavilosa de interesses próprios. E passamos a ser o maior depositário de roncadores, não suadores, temperamentais, matungos, disformes, que por um longo período, transformaram nossa criação em extravagâncias bestiais, dentro do que hoje podemos entender, utilizando-se de uma moderna análise lógica. Resumindo, éramos ilógicos. Como já aqui escrevi, éramos também vítimas de armadilhas de sentidos dissimulados debaixo de nobres aparências, as mais amáveis e inocentes possíveis.
E eu, batia às portas, perguntava o por que e só ouvia o eco de minha própria voz. Éramos uma criatório emudecido, pálido qual um cadáver em um enterro de terceira categoria.
Outrossim, pouco a pouco, fomos nos ajeitando, pelas mãos de quatro ou cinco famílias que passaram a dominar nosso cenário turfístico e haras como o São José Expeditos, o Mondesir, o Guanabara, o Faxina, o Jahu e Rio das Pedras e outros que naturalmente estou esquecendo neste momento que escrevo, formaram as bases do que hoje podemos denominar de linhas nacionais. Mas o tempo provou que quanto o maior volume de BRZs em um pedigree, menores estavam se tornando as chances de perpetuação da raça. E com isto, sem sentir, o reprodutor nacional veio a ser, paulatinamente abandonado. Quando o certo seria, aproveitar-se de importações de éguas para se valorizar o bom cavalo de corrida nacional, como fizeram em larga escala os australianos. Nós ao contrário, preferimos o refugo masculino - principalmente o europeu - e mantivemos a "brasilidade" em nossas linhas maternas. Ledo engano.
Lembro-me de Alejandro Lilienfeld, um homem grandalhão, de voz grave, gostos refinados, olhos clínicos, pensamentos claros e comentários "acidosos", a comentar sobre as disformidades dos cavalos nascidos no Brasil. De suas cabeças desproporcionais e de sua falta de equilíbrio. Só fui compreender, o verdadeiro teor de suas criticas, anos depois, quando na Argentina interagi por três invernos, no haras Ojo de Agua. Lá compreendi na prática, que a formação de uma raça, requer tempo e gerações. Você trás um Cyllene, adquire um Congreve e um Aristophanes e faz se valer de uma Nesta, de uma Venusta e de uma Ante-Diem, para criar uma linha própria, com características próprias, marca de sua criação.
Grandes são as recordações, que ainda mantenho, daqueles alazões de cabeças nobilíssimas e perfeita harmonia em suas linhas. Na mesma época no Brasil, entrava-se em alguns Haras e tinha-se a nítida exceção, de estar à frente de uma ninhada de viralatas. E eu não compreendia por que?
A gente via um elemento do Guanabara, do Jahu e Rio das Pedras, do São José Expedictus, do Mondesir, e sentia uma diferença em relação aos demais. E a dominância que eles exerceram provaram estarem eles no caminho certo. Apenas que vivíamos em um pais onde alguém tinha que ganhar. Não o melhor, mas com raras exceções, o menos pior. Este é o ato de contrição que fiz comigo mesmo, mas nunca desisti de tentar o túnel e quando nele penetrasse, partir a procura da luz.
Hoje, querendo os detratores do óbvio ou não, o reprodutor nacional está tendo pela primeira vez uma chance nacional. Não é apenas um Xaveco, um Zenabre, um Sabinus, um Egoísmo ou um Clackson produtos do patrocínio de alguém. Um samaritano. Existe sim hoje, uma consciência viva que um Redattore, que um Romarin, que um Hard Buck, que um Clackson, de alguma forma pode vir a fazer diferença, não só aqui, como fora de nossas fronteiras. Mas eles não podem sobreviver, apenas das velhas e cansadas linhas maternas nacionais, ou advindas três ou quatro gerações atrás de uma importação inteligente. Pergunto-me, como eu mesmo fosse uma criança de quatro anos de idade, por que repetir com os filhos de Royal Academy e de Spend a Buck, os mesmos erros que cometemos com os filhos de Locris, Waldmeister, Tumble Lark e até mesmo Ghadeer?
Até as Risotas e as Arumbas da vida, um dia cansadas, sedem ao infortúnio do esquecimento. Outras, nem do anonimato conseguem sair. A renovação de nosso plantel feminino é tão ou mais importante que do masculino, pois, o garanhão nacional pode suprir certas lacunas, se bem aproveitado o for.
Concluam o que quiserem, a tribuna é livre. Mas esta foi a forma da Austrália finalmente entrar no mapa. Valorização do garanhão nacional. Star Kingdom, Sir Tristram e Danehill foram os pilares, desta transformação, assim como Sunday Silence o é no Japão. Na terra do sol nascente, a seleção de matrizes é severa, e a importação das mesmas é constante. E por isto trata-se de outro centro criatório que cresce a olhos vistos, e como aqui já me reportei em diversas oportunidades, não é de hoje.
Pensem bastante nisto, nestas últimas semanas de um 2012 que finda. Não deixem de importar matrizes, mas aumentem seu senso de confiabilidade em relação ao grande cavalo nacional.
Um bom 2013 para todos.
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