Nunca fui fã de Bob Marley, mas confesso que tenho para com uma frase que a ele a foi atribuída, imenso respeito: "não viva para que sua presença nesta notada, mas sim para que sua falta seja sentida".
Um pensamento que para mim, diz tudo. Que representa a sua importância no universo. A obrigação humana que considero maior, o de deixar um legado. Penso que aprendemos graças aos ensinamentos da vida, e esta última nos foi fornecida por uma força maior, divina para os que acreditam, desenvolvida por uma células para os céticos.
Cavalos de corrida deixam legados, assim como poetas, inventores, cientistas e outras camadas da sociedade. Você dificilmente se lembrará do nome de suas bisavós. Com certeza, nem saberá quem foi sua tataravó. Mas com cavalos de corrida você sabe muitas vezes quem foi até a sua nona mãe. E aquilatam o porque? Porque ela de alguma forma deixou um legado.
Conheço a história de Pretty Polly, bem como a de St. Simon, e não tenho sequer a menor idéia do que meus bisavôs faziam. E creio que de alguma forma, alguns gens dos mesmos devo trazer dentro de meu código genético. Não lhes parece racional? E isto não acontece apenas pelo grande atleta que este ou aquele grande cavalo demonstrou ser. Pois você igualmente desconhece os avós de Pelé, Senna, Mohamed Ali e Michael Jordan, e eles nunca deixarão de ser ícones em sua lembrança.
Logo genética tem suma importância no reino do Turfe. Ela o faz crer que na grande maioria das vezes, as coisas acontecem em pista, porque tem que acontecer. Não são obras do acaso. Embora sempre trato de lembrar, que tiros podem vir de qualquer lugar. Mas reservo-me ao direito de achá-los, esporádicos.
Respeito a genética e principalmente aqueles que fazem uso dela, para dar continuidade à criação destes majestosos atletas. Tesio, Woodward, Edward Stanley, Marcel Boussac, os Khan, Edward Taylor, vindos dos quatro cantos do mundo e com distintas formações, deram continuidade aos pioneiros desta atividade, cada vez mais gerando a elementos de maior consistência e velocidade.
O que tinham estes grandes criadores em comum? Criavam e corriam os produtos de sua criação. Simples assim. Como o fazem hoje no Brasil o Figueira do Lago, o Anderson, o Doce Vale, o Embalagem e tantos outros, na sua grande maioria das vezes.
A quem me perguntou que era do turfe mais curti, não me envergonho em afirmar que foi aquela que me atraiu para a atividade. A era no Brasil, que famílias criavam seus próprios corredores: os Paula Machados, os Seabras, os Peixoto de Castro, os Vidigal, os Lara, os Almeida Prados, criadores de cavalos inesquecíveis, mas que de alguma forma - com raras exceções - foram capazes de incutir em seus descendentes o amor e a nobreza, pelo cavalo de corrida. Estaria eu exagerando? Se assim o pensam, respondam-me, qual destas famílias perdurou por mais de três gerações? E em contra partida o sangue por eles importados, perdura classicamente até os dias de hoje.
Curti o turfe dos do final dos anos 60 e toda a década de 70, que tinham Cidade Jardim e Gavea bombando. Necessariamente nesta ordem. Mesmo com a saída dos Seabras já uma tênue idéia que não haveria grande continuidade destas famílias, pairava no ar. Porém, a esperança que novas famílias iriam aderir a atividade me mantiveram ligada a mesma. Cresci com ela, e infelizmente as vi sucumbir, pouco a pouco, uma a uma...
Vó Adelina dizia "se vão os andeis e ficam os dedos". No turfe brasileiro, vai-se tudo.
O tempo tratou de provar que meu sonho um dia terminará, embora o amor a atividade nunca iria exaurir-se de minha pele. Os sonhos, muitas vezes tornam-se pesadelos, mas a realidade persiste e nos faz tenta lutar contra as tendências naturais...
Hoje não são muitas famílias que criam para correr, e estas deveriam ser cultuadas, pois, demonstram um amor a atividade, quase que suicida. A elas tiro o meu chapéu.