A volta a Curitiba
Confesso que foi com tristeza que deixei o Rio de Janeiro. Imaginem que eu moleque tinha a ousadia de atravessar a Ponte de Tábua e visitar as duas únicas cocheiras que ficavam afora dos muros do Jockey Club Brasileiro; as das famílias Paula Machado e Peixoto de Castro. Nunca pude agradecer a gentileza e a fidalguia de grandes treinadores como Ernani de Freitas, Oswaldo Feijó e Tancredo Coelho, em me aturar como também as minhas constantes dúvidas e curiosidades. Que cavalos! Por exemplo, os cavalos do velho Linneo, quase em sua grade maioria de origem francesa, tinham seus rabos e crinas longas, nunca sendo cortados. Era uma coisa que as pessoas não conheciam, pois, rabos eram aparados a laminas e as crinas tosadas à máquinas. Num verdadeiro vandalismo.
Bons tempos... poder ter contato, ainda que muito jovem, com Albatroz, Ever Ready, Fontaine e outros craques, daqueles não muito usuais de serem vistos todos os dias, foi um emoção que nunca esqueci.
Meu pai conformou-se a deixar o Rio de Janeiro e com o dinheiro amealhado não só com aquele beeting milagroso como também das vitórias obtidas em sua curta passagem pelo cenário carioca, construiu um centro de 140 cocheiras para si próprio na capital paranaense junto ao hipódromo de Guabirutuba. Trazia consigo não só a experiência, como também a fama a eterna vontade de prosseguir como um vitorioso que sempre foi em sua trajetória profissional. Ademais, um tordilho de seis anos chamado Timbó. Este foi ser o reprodutor do haras Belmonte, na época de propriedade do senhor Hermínio Brunatto, hoje cujas cores são ainda defendidas por seu filho Hermínio Brunatto Filho e seu neto Dante Franceschi. Todos turfistas de primeira linha. Foi também em Curitiba que meu irmão mais novo nasceu. Hoje o Sérgio é um pediatra de renome, provando que na família houveram dois inteligentes, não apenas um.
Não foi difícil para meu pai receber cavalos, mas havia um rival, que em minha opinião foi um dos melhores, senão o melhor treinador que conheci, Afonso Piotto, o tio do conhecido treinador, transportador e acima de tudo um grande amigo Silvio Baptista Piotto. Isto não impossibilitou o seu Trajano de ganhar 13 estatísticas no Paraná. Não é a toa que seu apelido era o “Einsehower de Guabirutuba”. E as poucas que veio a perder por uma ou duas vitórias foi para o Afonso. Vocês podem estar se perguntando porque afirmei ser o Afonso um dos melhores treinadores que acompanhei e meu pai tê-lo vencido na maioria das vezes. Em meu conceito, a resposta é simples. Ambos trabalhavam duro. Ambos conheciam seus ofícios, mas meu pai usava melhor seu tempo em pensar em como suplantar o amigo.
No currículo de meu pai creio que existam cerca de 800 vitórias, ressaltando-se que neste tempo em Curitiba corriam-se não mais do que oito carreiras por semana. Somente aos domingos. Mas não era esta apenas a tarefa a que meu pai se atinha como explico a seguir. Ele era também o homem de confiança de Atílio Irulegui que se ocupava a importar animais do exterior, em sua grande maioria da Argentina. Animais este que chegavam ao Paraná por trem e sentiam bastante a viagem. Cabia a meu pai, trazê-los de volta a sua forma física original, para então serem mandados para seus respectivos donos.
A profissão de agente, é a segunda mais antiga da humanidade e neste setor cabe-se um detalhe que sempre ficou marcado em minha lembrança. Existia um clássico chamado Primavera. Vocês devem estar se perguntado se não é o mesmo que existe ainda hoje? É, só que de maneira distinta. O turfe paranaense do final dos anos 40 e inicio dos anos 50 era outro. Pujante. Disputado palmo a palmo por proprietários ricos que possuíam uma vaidade maior; a de ganhar o Primavera. Logo, os senhores Manuel Ribas (na época interventor do estado do Paraná), Pedro Alípio Alves de Camargo (futuro proprietário do haras Preto e Ouro), Aurélio Fressato, Hugo Cini, Irio Galli, Aristides Galli, o já citados Luiz Valente e Hermínio Brunatto, Alfredo Silvio Colle, Moisés Lupion (futuro governador do Estado), Américo Machado da Luz, Paulo Monteiro, Paulo Dietzch, Mário Marquez e membros da família Parolim, entre outros, adquiriam éguas argentinas de grande importância, importados para esta finalidade e depois, levadas a reprodução. Entre estas me vem imediatamente a mente a irmã de Gualicho, Salpicada, que o senhor Moisés Lupion para aqui importou. Lembro-me também de Capilar dos Parolins, Esbuena e Sineska do Irio Galli sendo que a primeira terminou seus dias com o conhecedor José Paulino Nogueira no Haras Bela Esperança, Gay Brooke e Alaska ambas de Aurélio Fressato, Guadananza do Américo Machado da Luz e Ranquitina, a mãe de Ouro Pardo. Tantas outras...
Pode parecer pedante e até um ponto de bairrismo denominar de pujante o turfe de meu Estado, mas naquela época o GP. Paraná disputado ainda em Guabirotuba tinha a mesma dotação dos GPs Brasil e São Paulo. O grandes criadores Nelson e Roberto Seabra, participavam de quase todos os grande prêmios do extinto hipódromo com cavalos do nível de Zorro, Away, Cloro, Obolenski e Canter. Cabe-se citar que ele ganhou em 1954 com Away o GP. Quarto Centenário do Paraná montado pelo Pancho Irigoyen. A partir do ano seguinte, quando da inauguração do Tarumã, cujo primeira carreira foi vencida por Michelangelo este pilotado pelo igualmente paranaense e iniciado por meu pai, Virgílio Pinheiro Filho, todos os grandes criadores e proprietários de Rio de Janeiro e São Paulo compareceram às suas disputas. A segunda vitória no GP. Paraná e a primeira no Tarumã para os Seabras, foi talvez uma das três corridas que mais me impressionaram em toda a minha vivência turfística. Coube a Canavial. Tenho esta corrida em minha mente gravada. Canavial com Rigoni e John Araby com Pierre Vaz. Um duelo cabeça a cabeça desde a entrada da reta, com apliques de ambas as partes. No final prevaleceu Canavial por diferença mínima. Passado o disco, Pierre Vaz usou o seu chicote pelo menos por três vezes nas costas de Rigoni. Fora de suas respectivas montarias, foi a vez de Rigoni, mais novo em idade, aproveitar-se da situação para bater em Pierre Vaz. Lembro-me de tudo como se fosse hoje.
Canavial (Radar – Cantata por Ruler) ganhou o GP. Paraná no ano de 1957 e o fez em recorde, 2”36” 1/5. Excelente corredor, Canavial pode ainda ser lembrado por ter vencido neste mesmo ano o Derby carioca, o GP. Cruzeiro do Sul e ter sido segundo para Don Varela, a frente de seu companheiro de farda Caporal, nos 3,000m do GP. Brasil. Pertencia a uma geração parelha. Bateu a Jarussi (Esquimalt – Euzukal Buru por Lê Coeur) no Derby carioca, o GP. Cruzeiro do Sul do ano de 1957 e por este veio a ser vencido em duas oportunidades; na terceira prova da tríplice coroa carioca, os 3,000m do GP. Distrito Federal onde foi segundo a frente de Ulema e nos 2,000m do GP. Presidente Vargas onde foi terceiro com Quebec (Formasterus - Ascot Sun por Tai-Yang) na segunda colocação. Mas na milha e maia do GP. 29 de Outubro, Canavial voltou a bater a Jarussi e Ulema. Dir-se-ia que Canavial e Jarussi equivaliam-se em pista. Ambos fracassaram reprodutivamente.
Em seqüência poder-se-á notar-se no pedigree de Canavial, apresentado a seguir bem como sua mais importante prova ganha, que ele possuía, o que hoje cognominamos de Rasmussen Factor na grande égua britânica Santa Brígida, por seus filhos Bridge of Canny (Jockey Club Stakes, Cambridshire Hcp., Great Yorkshie Stakes e reprodutor em serviço na Argentina) e Bridge of Earn (Newbury Autumn Cup). Somado a isto tinha igualmente a duplicação do nick Cyllene/Hampton. Note-se que no pedigree de Radar, pai de Canavial, havia um significativo RF na chefe de raça Glasalt, mãe de Canyon (a mãe de Colorado) e de king William (nota do autor).
CANAVIAL, macho, castanho, 01/07/1953
Criador: ROBERTO E NELSON SEABRA
COLORADO(GB), CAS, 1923
FELICITATION (GB), CAS, 1930————————+
| FELICITA(GB), ALA, 1923
RADAR, CAS, 1945———————————————————————+
| HYPERION(GB), ALA, 1930
RADIANT PRINCESS(GB), CAS, 1940—————+
PRINCESS SUBLIME(GB), CAS, 1921
CRAGANOUR(GB), CAS, 1910
RULER (ARG), CAS, 1929——————————————+
| ROYAL ARCH(GB), ALA, 1924
CANTATA(URU), CAS, 1943———————————————+
| STAYER(URU), TOR, 1919
CANZONETA (URU), TOR, 1933——————————+
SUN TANNED(GB), ALA, 1923
01 GRANDE PREMIO CRUZEIRO DO SUL, Gávea, 01/04/1957, 2400, GL
Fonte – Stud Book Brasileiro
Jarussi bem como John Araby (Esquimalt - Radiant Araby por Taj Ud Din) eram de criação e propriedade de Dante Marchione. Em seqüência o pedigree onde pode se observar a duplicação do internacional nick Sainfoin/St. Simon e a prova mais importante ganha por Jarussi. Há de igualmente se notar que o notável reprodutor Esquimalt, de rápida passagem pela criação brasileira possuía em seu pedigree o RF na britânica Lock and Key, mãe da extraordinária Keystone (Oaks, Coronation Stakes e Liverpool St. Leger) e Clef Dor, esta a terceira mãe de Esquimalt. Esquimalt ganhou as estatísticas brasileira para reprodutore na temporada 1956/1957 (nota do autor).
JARUSSI, macho, castanho, 02/08/1953
Criador: DANTE MARCHIONE
PHAROS(GB), CAS, 1920
LIGHTHOUSE II(FR), CAS, 1937————————+
| PYRAMID(GB), CAS, 1927
ESQUIMALT(GB), CAS, 1942———————————————+
| CLARISSIMUS(GB), ALA, 1913
GOLD LEAF II(FR), ALA, 1930—————————+
CORNICHE D'OR(FR), CAS, 1925
LE TEMPS (ARG), ALA, 1914
LE COEUR(ARG), ALA, 1922————————————+
| BLUE BELL (ARG), CAS, 1908
EUZKAL BURU(ARG), ALA, 1942————————————+
| RAFFETTO(ARG), ALA, 1918
MAULAZA(ARG), CAS, 1933—————————————+
GROSELLA (ARG), CAS, 1916
01 GRANDE PREMIO JOCKEY CLUB BRASILEIRO, Gávea, 01/03/1957, 3000, GL
Fonte – Stud Book Brasileiro
E foi este mesmo John Araby, o filho da importada a Inglaterra Radiant Araby (Taj Mahal) que veio a bater a Buru e a Canavial, no preparatório do GP. Brasil de 1957, os 2,400m do GP. Dezesseis de Julho. John Araby igualmente venceu os 2,200m do GP. Antônio da Silva Prado sobre Leocádia e Rocket. Em seqüência o pedigree de John Araby, onde pode ser ressaltado o RF em Canterbury Pilgrim, por três de seus segmentos. (nota do autor).
JOHN ARABY, macho, castanho, 07/08/1953
Criador: Dante Marchione
PHAROS(GB), CAS, 1920
LIGHTHOUSE II(FR), CAS, 1937————————+
| PYRAMID(GB), CAS, 1927
ESQUIMALT(GB), CAS, 1942———————————————+
| CLARISSIMUS(GB), ALA, 1913
GOLD LEAF II(FR), ALA, 1930—————————+
CORNICHE D'OR(FR), CAS, 1925
GAINSBOROUGH(GB), CAS, 1915
TAJ UD DIN(GB), TOR, 1928———————————+
| TAJ MAHAL (GB), TOR, 1921
RADIANT ARABY(GB), TOR, 1949———————————+
| BRUMEUX (FR), CAS, 1925
MISTABY(GB), CAS, 1944——————————————+
ROYAL ARABY (GB), CAS, 1938
Fonte – Stud Book Brasileiro
Nunca esquecendo-se que não existem duas sem três, Nelson e Roberto Seabra igualmente ganharam com Falerno e Irigoyen outro GP. Paraná que irei descrever a frente dentro de um pequeno perfil que tecerei sobre este grade jóquei chileno, numa de suas passagens mais sui-generis.