Cabe dizer que as provas não são só rebaixadas, elas podem também ter um upgrade. Porém, para se conseguir um upgrade para G1, é necessário que a média da prova nos últimos 3 anos (essa média considera o rating dos 4 primeiros colocados) esteja igual ou superior a 115 libras. Mas considerando o baixo número de cavalos brasileiros com 115 ou mais nos últimos 5 anos, como atingir uma média standard de 115lb por 3 anos consecutivos? A curto prazo, é impossível.
As respostas parecem óbvias, mas para quem está com a caneta na Europa, não conhece a América do Sul, não vai a América do Sul, não investe na América do Sul, não vende para a América do Sul, ou seja, não está nem aí para a América do Sul, é o correto a se fazer, pois não são provas de G1 “a nível global” e, portanto, não merecem tal classificação. Ora, será que é correto uma entidade no distante velho continente decidir o valor das provas sul-americanas, podendo trazer consequências diretas e nocivas ao futuro da atividade no continente? E o citado a priori MERCADO, de nada vale?
Em média, um ganhador de G1 na grama de 3 anos na Inglaterra vale mais do que um ganhador de G1 na grama de 3 anos nos EUA, que por sua vez vale mais do que um ganhador de G1 na grama de 3 anos na África do Sul, que por sua vez vale mais do que um ganhador de G1 na grama de 3 anos no Peru, que por sua vez vale mais do que um ganhador de G1 na grama de 3 anos na Índia. Qualquer pessoa que minimamente participa ou acompanha o mercado há algum tempo sabe disso, sendo que as diferenças numa hipotética precificação entre os 5 exemplos mencionados podem passar de 50 vezes, a depender do caso e do câmbio. Isso confirma que a Índia e o Peru não possam ter suas provas de G1? Eu nunca vi em um catálogo de Keeneland ou Tattersalls, um caso de égua ou cavalo ganhador de G1 no Brasil, no pedigree de um animal sendo ofertado, aparecer como “G1”, em todas o que aparece é “G1-Brz”. O que demonstra que o mercado diferencia “ao natural” as provas de G1 pelo mundo, não só nos catálogos como na precificação dos animais. Já não é o suficiente? Parece que para alguns não.
As regras globais para a classificação de provas são globais até a página 2, já que desconheço qualquer caso de rebaixamento de prova de G1 nos EUA por entidade ou comitê diferente do American Graded Stakes Comittee, que até onde sei sequer se utiliza da metodologia tradicional dos ratings. O mesmo vale para o Turfe Australiano, que também tem comitê próprio e decide a bel prazer o que faz com suas provas, claro que sem mudanças drásticas. Já para os sul-americanos a história é bem diferente, parece que somos olhados “de lupa” e querem “aos poucos” retirar a tolerância de 5lb e apertar mais a graduação das proas. Na cabeça dos europeus, temos provas de G1 demais, blacktype então...
Para mim o pano de fundo dos ratings e desses comitês de classificação de provas é o mercado asiático e do oriente médio. Os europeus não querem que os sul-americanos participem desse mercado, que promete forte crescimento na Ásia com os hipódromos construídos na China e a ascensão da Coréia do Sul, isso sem falar nos mercados fortíssimos e consolidados do Japão e Hong Kong, além dos não menos promissores Singapura e Macau. No oriente médio, onde as condições climáticas tornam a criação de cavalos de corridas em escala uma dificuldade, os europeus dominam hoje o mercado.
O único continente que pode produzir cavalos de corridas em escala, de bom nível, que podem ser competitivos mundialmente não necessariamente no mais alto nível, mas no intermediário, a um custo menor, é na América do Sul. Só aqui é possível comprar um ganhador de G1 por preço menor do que um ganhador de G3 na Inglaterra ou mesmo na Austrália e muitas vezes ter o mesmo resultado ou até melhor em outro centro competitivo. No high end não há problema Renato, seguiremos muito distantes em relação ao mais alto nível do turfe mundial na média, mas teremos volta e meia nossas pílulas de sucesso.
A grande preocupação dos europeus não está aí e sim no fortíssimo (não em média, mas em volume) middle market. Os europeus somados exportam para a Ásia e para o Oriente Médio (que também é Ásia é bom dizer, mas vamos aqui fazer uma distinção) anualmente centenas e centenas de cavalos de nível intermediário, campanha mediana, ou potros inéditos sem muito pedigree ou sem muito físico, para esses mercados. Basta olhar um programa de corridas de Omã, Catar, Arábia Saudita, EAU, entre outros, para notar a quantidade de cavalos europeus de 4 e mais anos inscritos, com campanha discreta ou mesmo sem qualquer atuação no velho continente. No caso da Ásia ou países asiáticos mais ao leste, fora do oriente médio, há uma forte influência do Turfe Australiano e por tabela da Nova Zelândia, inclusive com muitos profissionais do turfe (treinadores, jóqueis, veterinários, etc). Portanto, há uma certa concorrência, que é “tolerada” pois como dito anteriormente há grandes players radicados na Europa com operações enormes na Austrália – a Godolphin tem mais de 250 cavalos em treinamento (só em treinamento!), por exemplo.
Há quem diga que é uma grande ilusão, uma viagem o que estou escrevendo sobre esse middle market que a Ásia demanda, mas acredito que temos amplas condições de sermos competitivos no longo prazo. Perguntem ao Mario Marquez da TBS, que atua nesses mercados periféricos em países do oriente médio, quantos cavalos e potros foram vendidos e a que preço médio, nos 5 anos antes da barreira do Mormo (assunto pra outro e-mail) ser erguida? Quantos deixaram de ser vendidos? O que acharam os criadores, em sua maioria médios e pequenos, de exportar seus produtos? E o que dizer dos proprietários que venderam os cavalos em campanha? Isso sem esquecer das muitas fêmeas ganhadoras de G1 ou de provas do nosso calendário clássico, que foram vendidas para o Japão nos últimos anos – como Cruiseliner e Silence Is Gold, duas Champion 3yo fillies ganhadoras do GP Diana, por exemplo. Isso com graves barreiras sanitárias, imaginem sem e com um trabalho de divulgação da competitividade do cavalo brasileiro nesses mercados? Se isso é a saída do Turfe brasileiro? Evidente que não, só uma entre muitas iniciativas necessárias para impulsionar nosso mercado. Exportação de animais de middle market em escala para mercados alternativos é sem dúvida uma delas, para colocar dinheiro diretamente no bolso dos criadores para que estes se mantenham e possam seguir investindo na melhoria de seus plantéis. Não é isso que o super turfe australiano faz (entre muitas outras ações), há décadas? Não é assim que a Irlanda se mantém há anos com um número grande de animais criados (entre muitas outras ações), mesmo em um país e mercado pequeno?
Para finalizar, sobre o que fazer para evitar novos downgrades de provas, a meu houver são três – política, calendário e premiação, sendo política a mais importante pois sem ela os outros dois não trarão nenhum efeito prático relevante de longo prazo, a ponto de evitar quedas de graduação (os motivos acho que foram exaustivamente explanados em parágrafos anteriores). O calendário, para evitar que provas similares fiquem muito próximas umas das outras, para facilitar idas a RJ e/ou SP, para que os principais cavalos do país se enfrentem nas principais provas. Por fim e não menos importante, a premiação, que precisar ser minimamente atrativa para ter interesse nacional e o principal, ser paga.
Espero não ter escrito demais.
Abraço,
Zeca